quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Regimes de Visibilidade na Fotografia Adolescente

REGIMES DE VISIBILIDADE NA FOTOGRAFIA: UM ESTUDO SÓCIOSSEMIÓTICO


Larissa Fabricio Zanin

RESUMO

O artigo tem sua origem nos modos de apresentação do adolescente por meio da fotografia, mais especificamente nas fotografias veiculadas no site de relacionamento Orkut, seu processo de produção e sua relação com o processo de constituição de identidade/alteridade destes adolescentes. Debate questões acerca do “contrato de veridicção” e as relações entre aquele que se mostra e aquele que vê. Como processo metodológico e teórico fundamenta-se na semiótica discursiva buscando estabelecer as estratégias de manipulação que definem este contrato. Parte do princípio semiótico de que a imagem é um texto que apresenta relações com o mundo natural.
Palavras-chave: semiótica – fotografia – contrato de veridicção



REGIMES DE VISIBILIDADE NA FOTOGRAFIA: UM ESTUDO SÓCIOSSEMIÓTICO


1. INTRODUÇÃO

A imagem fotográfica é carregada de estratégias enunciativas com o intuito de fazer crer ao leitor que é um simulacro da realidade que apresenta. Estas estratégias que nos fazem acreditar no discurso enunciado são definidas na semiótica como contrato fiduciário.
Segundo Greimas e Courtès (2008; p.208)

“[...] contrato fiduciário põe em jogo um fazer persuasivo de parte do destinador e, em contrapartida, a adesão do destinatário: dessa maneira, se o objeto do fazer persuasivo é a veridicção (o dizer verdadeiro) do enunciador, o contra-objeto, cuja obtenção é esperada, consiste em um crer-verdadeiro que o enunciatário atribui ao estatuto do discurso enunciado[...]”

A fotografia é compreendida historicamente como um simulacro do mundo natural. Desde a criação da câmara escura, o homem utiliza o auxílio tecnológico para a formação de imagens que se assemelhem ao real. Com a invenção da fotografia a produção da imagem semelhante ao real torna-se fato e sem a necessidade da mão do homem para elaborá-la.
A fotografia passa ser vista no senso comum como um meio pelo qual é possível reproduzir com fidelidade o mundo natural e os acontecimentos sociais ali inscritos sem a construção do homem, apenas a partir dos princípios químicos e físicos.
A fotografia assume o caráter de “verdadeiro” e passa a ser associada como a reprodutora da realidade, como afirma Dubois (2006, p. 27).

[...] a fotografia é considerada a imitação mais perfeita da realidade. E, de acordo com os discursos da época, essa capacidade mimética procede de sua natureza técnica, de seu procedimento mecânico que permite fazer aparecer uma imagem de maneira “automática”, “objetiva”, quase “natural” (segundo tão somente as leis da ótica e da química), sem que a mão do artista intervenha diretamente.

Mesmo com todo aparato da tecnologia digital, principalmente com o desenvolvimento de softwares de manipulação de imagem, alguns com distribuição gratuita na web como o “Picasa” da Google com recursos de manipulação acessíveis a todos e toda discussão acadêmica sobre a perda do referente na fotografia contemporânea, advinda do surgimento da fotografia digital, para o senso comum, a fotografia continua a ocupar o lugar de discurso da verdade.
Para fazer com o discurso que se apresenta torne-se ainda mais verídico, o enunciador faz escolhas de composição que fortalecem o parecer verdadeiro apresentado no enunciado.
Estas escolhas podem se dar a partir do enquadramento, recortes, ajustes focais, iluminação, cenografia, entre outros detalhes que fazem com que ela não seja a reprodução do mundo natural, mas apresente traços da realidade que apresenta.
Deste modo, o enunciador coloca-se como manipulador dos discursos enunciados levando o enunciatário a crer nos valores ali colocados. Trata-se de um discurso que produz um efeito de verdade, construído para fazer parecer verdade. Nesse sentido afirma Landowski (2002, p. 165-166)
[...] “os sujeitos enunciantes”, ao enunciar (isto é, entre outras coisas, ao produzir “textos”), constroem o mundo externo enquanto mundo significante [grifos do autor]. Correlativamente, apreender o sentido de um discurso enunciado, o “ler”, será refazer o mesmo percurso em sentido inverso, remontando, se assim se pode dizer, do plano discursivo manifesto em direção às operações semióticas que sua produção pressupõe, e que, uma vez o enunciado produzido, o torna interpretável.


Assim, ao fotografar, ao fazer escolhas, o enunciador estabelece um fazer persuasivo, fazendo o enunciatário crer em seu discurso e, em sua interpretação persuadindo-o ao que lhe foi apresentado. Assim, instaura-se o contrato fiduciário que, recebe esta denominação por ser estabelecido com base na confiança e crença.
Estas escolhas perpassam também aquilo que o enunciador julgue digno de ser representado, recortes de práticas sociais das quais se considere parte, ou das quais queira fazer parte.
Nestor Canclini ao refletir sobre os estudos de Bourdieu sobre a sociedade moderna destaca como o pesquisador percebeu a prática da fotografia como modo de compreender as diferenças entre as classes

”Ele percebeu que aquilo que um grupo social escolhe como fotografável revela o que esse grupo social revela digno de ser solenizado, como estabelece as condutas socialmente aprovadas, a partir de quais esquemas percebe e aprecia o real. Os objetos, lugares e personagens selecionados, as ocasiões para fotografar mostram o modo pelo qual cada setor se distingue doa outros.” (2007, p.70)

A possibilidade de escolher o que fotografar, ou simplesmente de poder fotografar cresceu com o desenvolvimento da tecnologia digital, que possibilitou uma queda nos preços das câmeras digitais e a criação de celulares com câmeras cada vez mais potentes. Assim, a fotografia se popularizou na sociedade, principalmente entre os adolescentes. Entre as mais diversas classes sociais a fotografia digital vem ganhando mais espaço a cada dia.
Quando ainda usávamos o filme 35 mm e celular era artigo de luxo, era raro encontrar adolescentes tirando fotos. O custo era alto, comprar o filme, revelar, sem contar que, máquina fotográfica era coisa de adulto. Hoje, é comum encontrar nas situações mais comuns como um passeio no shopping ou no pátio da escola adolescentes com câmeras digitais, celulares com câmeras ou MP5 registrando seu movimento individual ou o do grupo.
A tecnologia da informação abriu caminhos para o compartilhamento destas imagens. Com as diversas possibilidades de veiculação de imagens em sites de relacionamentos como o Orkut, blogs, flirks e fotologs, que permitem a divulgação de um número amplo de imagens, muitos adolescentes fazem desse recurso o seu “diário visual”. Ter um álbum na internet se tornou uma necessidade entre esse grupo, um fator de inclusão social e digital.
Dentre os mais diversos sites de relacionamentos existentes, s selecionamos o ORKUT, como locus desta pesquisa.
O Orkut é uma rede social que permite aos usuários participantes interagir com outros usuários da rede através de mensagens, fotos, depoimentos (mensagens fixas que são deixadas na página principal sujeitas a aceitação do usuário), vídeos, divulgação de sites e outros recursos como jogos virtuais que simulam atividades do mundo real como Café, Vida na Fazenda e etc.
A idéia do Orkut surge a partir de uma rede social criada por estudantes de uma universidade da Califórnia, que tinha como objetivo estabelecer um meio de comunicação entre alunos em curso e os já formados.
Um destes alunos o Turco Orkut Buyukkokken, iniciou o trabalho de desenvolvimento de uma rede semelhante a utilizada por ele e seus colegas da Califórnia, só que com acesso amplo. Nasce assim, em 2004, o Orkut, batizado com o primeiro nome do seu criador.
O Orkut é hoje uma das maiores redes sociais existentes no ciberespaço, sendo que a maior porcentagem dos usuários é brasileira (53,88% em 2008).
Inicialmente para entrar na rede era preciso ser convidado por um participante da rede e a liberação do acesso levava cerca de 24 horas. A partir de 2006 o acesso passou a ser associado à construção de uma conta no Gmail (serviço de e-mail da Google).
Ao longo de sua existência o Orkut sofre diversas modificações em sua interface gráfica, passando a ser possível restringir acessos a fotos e vídeos apenas para grupos de amigos da rede, restringir acesso à mensagens e dados do perfil, ter acesso as atualizações feitas por usuários amigos em suas páginas entre outras possibilidades.
Outro fator de destaque é que o acesso ao Orkut só é permitido para maiores de 18 anos, entretanto, não há restrição para usuários menores de idade. Assim, é comum encontrar páginas de adolescentes cuja indicação de idade apresentada é 18 anos.
São considerados amigos na rede social Orkut pessoas cujo acesso à página de determinado usuário foi permitida pelo mesmo. Ainda assim, é possível criar grupos de amigos específicos entre os amigos, e criar restrições de acessos para cada grupos. Por exemplo, é possível ter um álbum de fotos que só poderá ser visualizado por 10 amigos entre os 395 amigos existentes em um grupo de um determinado usuário.
Atualmente, em sua nova interface gráfica, o Orkut permite uma maior interação entre os amigos da rede. É possível, por exemplo, interagir com uma mensagem deixada por um usuário, com outra mensagem.
Dentre a gama de possibilidade de relações presentes nessa comunidade virtual, nos interessa os álbuns virtuais onde o usuário divide e organiza suas fotografias sob as mais diversas temáticas. Os álbuns apresentam denominações variadas que geralmente dividem as fotografias em grupos como: escola, família, amigos e auto-retratos.
O estudo dessas fotografias que denominamos aqui de “fotografia adolescente” pretende encontrar as significações presentes nesse tipo de prática social e os modos pelos quais essas fotografias constituem parte do processo de construção de identidade e alteridade desses adolescentes.
De acordo com Greimas e Courtés,

“O conceito de identidade, não definível, opõe-se ao de alteridade (como “mesmo” a “outro”), que também não pode ser definido: em compensação, esse par é interdefinível pela relação de pressuposição recíproca, e é indispensável para fundamentar a estrutura elementar da significação.
Por oposição à igualdade que caracteriza objetos que possuem exatamente as mesmas propriedades qualitativas, a identidade serve para designar o traço ou o conjunto de traços (em semiótica semas ou femas) que dois ou mais objetos têm em comum. Assim, quando se suspende uma oposição categórica – por exemplo pessoa/não-pessoa -, o eixo semântico que reúne os dois termos reaparece, é valorizado e sua manifestação provoca um efeito de identificação. Com isso, vemos o reconhecimento da identidade de dois objetos, ou sua identificação, pressupões a alteridade, isto é, um mínimo sêmico ou fêmico, que os torna inicialmente distintos. [...]” (2008, p. 251 - 252)


A partir do que nos ensina Greimas e Courtés, buscaremos na fotografia selecionada para análise as construções de identidade, ou seja, os modos de identificação desse adolescente com um referente ou com um grupo. Nesse norte, buscaremos também os significantes de uma possível alteridade, o que os distingue do referente.
Faremos também a análise dos comentários deixados pelos amigos da rede sobre a imagem veiculada, percebendo que regimes se estabelecem em cada etapa dessa prática social.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Temos como principal objetivo de estudo os modos de apresentação dos adolescentes e como metodologia de análise o proposto pelo regime de visibilidade. Para tanto, adotar-se-á como referencial teórico os estudos referentes a análise do discurso que permeiam a Semiótica discursiva e os estudos acerca do regime de visibilidade proposto por Eric Landowski, dentro do contexto da sóciossemiótica.
Abordaremos também questões sobre o poder da imagem fotográfica e seu caráter de veridicção além das questões inerentes a construção da identidade através das novas tecnologias e comunidades virtuais.

2.1 Semiótica

A semiótica discursiva é uma ciência relativamente nova. Surge na França em 1960, dentro de um contexto do estruturalismo, a partir do estudo de Algirdas Julien Greimas.
A semiótica é uma teoria que se preocupa com os processos de produção de sentido do texto. Segundo Barros (2007, p. 07) “A semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”.
A semiótica compreende o texto como um todo de sentido. Para tanto propõe a análise interna do texto e externa do texto para que seja compreendido como objeto de significação e comunicação, respectivamente.
A análise interna compreende o estudo dos procedimentos e mecanismos que estruturam o texto e o estabelecem como uma unidade significante. A análise externa examina o texto em relação ao contexto sócio-cultural no qual está inserido. (BARROS, 2007).
Para a semiótica o texto pode ser verbal ou não verbal. Os estudos dos textos não verbais, mais especificamente dos textos imagéticos vêm ganhando espaço entre os pesquisadores. Para esses estudos denomina-se a semiótica plástica “que se ocupa da descrição do arranjo da expressão de todo e qualquer texto visual” (OLIVEIRA, 2004, p. 12).
Para os discursos que ultrapassam uma perspectiva comunicacional, onde estabelece-se uma relação entre o sujeito e o objeto, o sentido deve ser compreendido, como afirma Landowski, em sua presença, na condição da prática social que se realiza.
Para e sse ramo da semiótica, denominado de sociossemiótica, a práticas sociais, ou seja, fazeres do cotidiano, estilos de vidas, a vida social em si nas suas mais diversas formas de apresentação, são processos significantes.
Essas práticas são estabelecidas pelos atores sociais através dos regimes de visibilidade: poder, querer, dever, saber ver e ser visto e querer, dever, saber, poder “ver”, respectivamente os actantes que são vistos vêem e os que vêem. (LANDOWSKI, 1992).
Nesse sentido, as apresentações nas fotografias adolescentes serão analisadas considerando, dentro da semiótica, os regimes de junção e de união, que explicaremos a seguir.
Trataremos a análise do texto pelo viés do regime de junção uma vez que consideramos a própria fotografia um discurso enunciado por um sujeito que busca uma mudança de estado, através da busca de valores como padrões de beleza, que em nosso caso, determinam a constituição da identidade.
A partir do percurso gerativo de sentido, pensaremos a produção da fotografia dentros dos três níveis.
O primeiro nível é chamado de nível fundamental e compreende as categorias semânticas que ordenam os diferentes conteúdos do texto. As categorias semânticas estabelecem-se por oposições que tenham algo em comum, que possuam relação de contrariedade. Ex.: vida /versus/ morte; masculinidade /versus/ feminilidade.
O segundo nível do percurso gerativo de sentido é denominado de nível narrativo e define-se pela transformação de estado do sujeito. A transformação de estado do sujeito se dá em quatro fases: manipulação, competência, performance e sanção.
O terceiro nível do percurso gerativo de sentido é chamado de nível discursivo. É nele que as formas abstratas do nível narrativo são concretizadas por meio de figuras e tematização.
Ainda sob regime de junção, trataremos das questões que permeiam o contrato fiduciário, ou seja, o fazer crer do enunciador ao enunciatário ser verdadeiro o discurso por ele enunciado.
Entretanto, pensar a fotografia como uma prática social, considerando que a partir do momento que ela integra o álbum virtual do enunciador ela estabelece novas relações, precisaremos ultrapassar as barreiras do regime de junção.
Neste momento, de enunciação, permite-nos pensar a fotografia a partir do regime da união, além do contrato, a partir da relação do contato. A publicação dessa fotografia, a socialização dessa imagem, caminha para a construção do sentido em ato, apreensível em situação. De acordo com Landowski (2005, p. 19)

“[...] Ao lado da lógica da junção entre sujeitos e objetos, que fundamenta a abordagem dos fenômenos de interação pensados em termos de estratégias de persuasão e de fazer fazer, devemos prever uma problemática do fazer ser que ponha em jogo um outro tipo de relações entre actantes, da ordem do contato, do sentir, e em geral daquilo que chamaremos de união. Esquematicamente, enquanto é próprio do regime da junção fazer circular entre os sujeitos, objetos que têm significação e um valor já definidos, segundo o regime de união, no qual os actantes entram estesicamente em contato dinâmico, é sua co-presença interativa que será reconhecida como apta a fazer sentido, no ato, e criar valores novos.”


2.2 Fotografia e o caráter de veridicção

Durante muito tempo a fotografia vai carregar o estatuto de verdade. Com o surgimento da tecnologia digital e dos softwares de manipulação de imagem, questões sobre o lado falso da imagem, fim do referente, balançam e ameaçam o caráter de verdicção da fotografia.
Entretanto, fora do ambiente acadêmico, onde a preocupação acerca da veracidade ou não da imagem fotográfica, no senso comum ela ainda carregar grande valor de fidedignidade. Não podemos nos enganar com relação à crença na semelhança fiel ao real da imagem fotográfica. Como afirma Aumont (1999, p.101 – 102).

Assim, uma imagem pode criar uma ilusão, pelo menos parcial, sem ser a réplica exata de um objeto sem constituir-se num duplo desse objeto. De modo geral, o duplo perfeito não existe no mundo psíquico tal como o conhecemos [...] mesmo me nossa época de reprodução automática generalizada. Entre duas fotocópias do mesmo documento, por exemplo, há sempre diferenças, às vezes ínfimas, que permitem distingui-las quando se desejar.

Contudo, não podemos negar que toda fotografia revela idéias e concepções, e comunica algo sobre aquilo que apresenta. Segundo Machado (1984) a fotografia recorta uma parte do referente visível. Logo, a fotografia pode não ter uma cópia fiel do real, já que depende de escolhas, enquadramento e do olhar de quem a captura, mas carregam em si traços do que apresenta capazes de comunicar informações sobre àquilo que a referiu.
No caso dos retratos as escolhas não são inocentes. Os retratos são pensados, posado e enquadrados de acordo com o que o retratado pretende comunicar. “Toda síncope do quadro é uma operação ideologicamente orientada, já que entrar em campo ou sair de campo pressupõe a intencionalidade de quem enuncia e a disponibilidade do que é enunciado” (MACHADO, 1984, p. 76).
Com o aprofundamento desses referenciais pretende-se atingir os objetivos traçados nesse projeto para a realização da pesquisa proposta.

3. A FOTOGRAFIA ADOLESCENTE

Para esse estudo escolhemos uma fotografia de uma adolescente de 13 anos. A fotografia foi retirada de um dos álbuns do Orkut dessa adolescente reservado somente para auto-retratos.
Pensaremos a fotografia aqui como uma prática social que ultrapassa a perspectiva comunicacional. Para esse tipo de discurso, onde estabelece-se uma relação entre o sujeito e o objeto, o sentido deve ser compreendido, como afirma Landowski, em sua presença, na condição da prática social que se realiza.
Consideraremos algumas questões para nortearem nossa leitura, são elas: por que os adolescentes se fotografam? Para parecer com um referente, para marcar seu pertencimento a um grupo, para parecer ser? Que significações estão presentes na enunciação que respondem a essas questões, que, sabemos, estão no entorno da construção da identidade.
Vamos iniciar com a análise da fotografia e posteriormente recorreremos aos recados deixados para essa imagem.




A fotografia é um auto-retrato. Ao se retratar em frente ao espelho o sujeito deixa claro o seu querer: de que todos vejam que é ele quem se fotografa ao colocar a câmera em primeiro plano.
A fotografia tem um enquadramento diagonal em plano médio (figura + cenário em volta) onde o sujeito corta todo o espaço fotográfico da esquerda para a direita.
No segundo plano apresenta-se o enunciador com a cabeça levemente flexionada e colo projetado para frente. O enunciador direciona seu olhar para o visor da câmera, deixando clara a sua preocupação com o enquadramento da fotografia.
O cenário ao fundo é aparentemente um banheiro o que destaca uma intenção em tornar público algo da esfera privada.
Os cabelos são aparentemente arrumados com cuidado para a pose, que reserva uma mecha de cabelos na parte da frente do corpo. Os Lábios aparecem semi-contraídos, destacando o brilho da maquiagem (aparência comum nas fotografias de moda). Percebemos então, nesse processo a busca por uma identidade que, provavelmente não é a sua, mas que a fotografia a permite criar.
A fotografia pertence ao álbum virtual “‘ I. Maiia”, destacando o sobrenome do enunciador, pelo qual é chamado e reconhecido pelo grupo. É o que dá alteridade ao enunciador. Imagens semelhantes a esta também fazem parte do mesmo álbum, configurando assim uma série dentro dos auto-retratos.
A Fotografia não apresenta uma legenda específica, a única identificação é o álbum “I. Maiia”. Apesar de o sobrenome do enunciador ter na redação apenas um “i”, no álbum ele aparece com uma duplicação da vogal, o que reforça a alteridade na fotografia.
Ao apropriar-se da máquina digital o enunciador mostra a sua competência para efetuar um auto-retrato. Ele tem uma máquina, só é possível fazer um auto-retrato se tiver acesso a esse equipamento.
No momento da performance, ao se retratar em frente ao espelho e observar cuidadosamente como a imagem apresenta-se no visor da máquina, possivelmente o enunciador buscou todos os referentes que o manipulam, a querer parecer ser, uma figura atraente, com certa sensualidade (figurativizada na imagem pelos lábios flexionados e pela postura que joga o colo a frente de todo o corpo).
As escolhas feitas pelo enunciador estabelecem um contrato de fidúcia, o intuito de fazer crer ser verdade o discurso enunciado. Assim o enunciador faz crer a seus observadores ser um referencial de beleza.
Ao postar a fotografia no álbum, o enunciador abre espaço para a interação de seus amigos, que, através dos recados deixados podem sancionar positiva ou negativamente, as escolhas do enunciador.
Nesse momento também ocorre àquilo que Landowski denomina apreensão estética, ou seja, “[...] O outro deixa então de ser visto como um corpo-objeto colocado lá, à distância, e passa a ser apreendido – sentido – por assim dizer de dentro, como corpo sujeito. “ (2005, p. 32)
O contrato proposto pelo enunciador em seu discurso passa a ser vivido estesicamente, em ato. Não é mais uma simples fotografia, é o próprio enunciador que se põe em contato com o observador, permitindo ser apreendido.



A fotografia recebeu três comentários. O primeiro diz “que ninda ! *-* s2”. Sabemos que os internautas apropriam-se de símbolos para significar algumas reações físicas, da ordem do sensível que a relação com o computador não nos permite estabelecer. Nesse primeiro comentário temos a frase “que ninda!”, que provavelmente significa “que linda”. Usa-se de uma linguagem que remete a fala de uma criança como modo de parecer carinhoso o comentário. Em seguida apresentam-se os símbolos “*-* “ que na linguagem virtual representa um rosto com olhos fechados e um pequeno sorriso. Logo em seguida “s2” que significa um coração, uma demonstração de afeto.
O segundo comentário diz “doreii”, provavelmente significando, mais uma vez de modo infantilizado, a palavra “adorei”. A ênfase é dada ao se repetir a vogal “i” duas vezes, como modo de reforçar a entonação.
O terceiro comentário diz “LIIIIIIIINDAAA :D”. A escrita em caixa alta também tem o intuito de enfatizar o elogio. Percebemos mais uma vez a repetição da vogal “I” agora oito vezes e da vogal “A” três vezes, também como modo de significar a entonação, remetendo a um grito. Após a palavra, aparecem o símbolo “:D” que representam um rosto com um grande sorriso.
Os três comentários sancionam positivamente o enunciador. O contrato fiduciário de parecer ser uma modelo, ressaltanto os atributos físicos que a fazerm parecer com tal referente, um padrão de beleza, se estabeleceu. No momento da interação, nos comentários, ela se fez parecer bonita e foi sancionada de diversos modos por usuários que fazem parte da sua lista de amigos dentro da rede de relacionamentos do ORKUT.
Percebemos que os discursos enunciados, agora pelos observadores ou partícipes da enunciação em ato, adotam uma linguagem própria àquele ambiente, um modo de falar que provavelmente não usariam em outras circunstâncias. Enquanto o enunciado carrega um discurso de adultização, na enunciação, no momento em que é apreendo pelos amigos, tem como resposta um discurso aparentemente infantilizado.
O ambiente virtual, essa realidade social virtualizada que o site de relacionamentos Orkut propicia, permite ao adolescente, além das possibilidades do fazer crer, um poder ser e um poder fazer, que o mundo real não permitiria, permite a criação de novas identidades/alteridades. Certamente essa linguaguem não seria aceita nos outros ambientes sociais dos quais esses adolescentes fazem parte.
Concluímos então que, as relações estabelecidas nesse tipo de discurso, e depois nesse tipo de prática social permite-nos pensá-lo a partir dos dois regimes. O primeiro contato do observador com a fotografia ainda é da ordem da junção, do realizado. Tomado pela enunciação, pelo contrato de fidúcia proposto, ele é manipulado, persuadido, a crer ser verdade o discurso de beleza e de sensualidade posto pelo enunciador.
O segundo é da ordem da união, da interação. A distância virtual entre observador e enunciador é quebrada. No álbum virtual, a fotografia torna-se o próprio enunciador, em ato, possibilitando a experimentação da presença, mesmo no ambiente virtual.

REFERÊNCIAS
AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 1999.
BARROS, Diana de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 2001.
CANCLINI, Nestór García. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 2006.
FIORIN, José Luiz. A noção de texto na semiótica. Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 23. Porto alegre: UFRGS, 1995.
________. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997.
LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo; Perspectiva, 2002.
¬¬¬________________. A sociedade Refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Educ/Pontes, 1992.
________________. Aquém ou Além das estratégias, a presença contagiosa. In: Documentos de Estudo do Centro de Pesquisas Sociossemióticas. São Paulo: Edições CPS, 2005.
MACHADO, Arlindo. A ilusão especular: Introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984.
OLIVEIRA, Ana Claudia (org). Semiótica plástica. São Paulo: Hackers Editores, 2004.
REBOUÇAS, Moema M. O discurso modernista na pintura. Lorena: CCTA, 2003.
_____________________.Contratos na Pintura: O caso Volpi. In: Galáxia: revista transdisciplinar de comunicação, semiótica, cultura / Programa Pós-Graduado em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. — n. 2 (2001). — São Paulo : EDUC, 2001, p. 137.

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